Leis que proíbem o uso de canudos plásticos não resolvem problemas que afetam o meio ambiente
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Ao sancionarem as leis que proíbem o comércio de distribuir canudos plásticos para o consumo de bebidas em São Paulo, o prefeito Bruno Covas e o governador João Doria, suscitaram muitas questões que envolvem o universo dos resíduos plásticos, tema que ganhou uma dimensão ambiental significativa nos últimos tempos. O ato do prefeito Covas, confirmado dia 25 de junho, por exemplo, consolida o projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal em abril. A proibição do fornecimento dos canudinhos plásticos abrange estabelecimentos comerciais como hotéis, restaurantes, bares, padarias, clubes noturnos, salões de dança e eventos musicais de qualquer espécie. Está liberado uso de canudos em papel reciclável, material comestível ou biodegradável, embalados individualmente em envelopes hermeticamente fechados feitos do mesmo material.
Conforme a lei, será dada advertência aos estabelecimentos que descumprirem pela primeira vez e multa a partir da 2ª autuação, no valor de R$ 1 mil, depois no dobro do valor da primeira autuação, e assim sucessivamente até a 6ª autuação, que estabelece multa no valor de R$ 8 mil. Está previsto o fechamento administrativo do estabelecimento na 6ª autuação Segundo Covas, a Prefeitura tem, a partir da sanção da lei, 180 dias para a regulamentar a proibição. A regulamentação irá definir exceções à proibição (como pessoas com deficiência que precisam de canudos plásticos para sugar líquidos), e como serão feitas as fiscalizações. Para Covas a aprovação da medida tem mais “um efeito pedagógico” do que uma “medida punitiva”, e que a própria população será a maior fiscal do cumprimento da lei.
Já a lei promulgada pelo governador Doria, entrou em vigor dia 13 de julho e informa que o estabelecimento comercial que fornecer o material está sujeito a uma multa de R$ 530 a R$ 5.306, podendo ser aplicado em dobro em caso de reincidência.
Canudos de plásticos são os vilões?
A iniciativa, ao menos tem contribuído para uma importante reflexão: os canudos de plástico são mesmo os grandes vilões do meio ambiente? Renato Paquet, diretor presidente de Cleantechs da Associação Brasileira de Startups e fundador da Polen, uma startup de sustentabilidade que transforma resíduos em matéria-prima, avalia que na medida em que cresce a população, cresce também o consumo e, consequentemente, os impactos ambientais oriundos tanto da nossa maior velocidade ao consumir quanto da ausência de infraestrutura para a reciclagem dos resíduos em todo País. Conforme ele, tal fato deveria levar a todos nós, consumidores, a refletir naturalmente o aspecto mais básico desta cadeia: o que acontece com o resíduo que descartamos? Existe possibilidade de reduzir o impacto do nosso consumo ou precisamos de fato consumir menos? “A ausência desta reflexão nas esferas – pública, privada e na sociedade civil -, tem criado um ambiente perigoso para todos nós, a proibição de produtos e materiais sem a devida análise”, diz.
Ele lembra que em julho de 2018 foi o Rio de Janeiro, depois duas novas capitais: Teresina e, agora, São Paulo resolveram aderir à onda proibitiva. Paquet avalia que as aprovações da lei que proíbe o fornecimento de canudos em estabelecimentos comerciais é um reflexo da atual demonização do plástico sem a devida reflexão sobre a nossa responsabilidade enquanto consumidores pelo modo que o utilizamos e descartamos. “A iniciativa da proibição poderá ter um efeito contrário ao que teoricamente se propõe, caso não haja uma educação ambiental adequada da população e a ampliação dos projetos de coleta seletiva”, aponta.
A importância da reciclagem
Um relatório produzido pela Fundação Ellen MacArthur, instituição criada com a missão de acelerar a transição rumo a uma economia circular – e divulgado na edição 2017 do Fórum Econômico Mundial, demonstra que 86% de todas as embalagens de plástico que chegam ao mercado mundial são destinadas ao meio ambiente e aterros sanitários. Além disso, o levantamento ainda aponta que em 2050, os oceanos poderão conter mais plásticos do que peixes.
Entretanto, Paquet salienta que a falta da conscientização sobre o papel de cada um no processo de destinação seria o grande culpado por tais danos. “O problema não está no material plástico em si, mas no fato dele ser utilizado por um curto período, no caso dos produtos de uso único, e em seguida ser descartado incorretamente. Os canudos plásticos não vão parar nos rios e oceanos sozinhos, é necessário que se descarte incorretamente para que tal fato ocorra, e a falta de informação sobre o que fazer com canudos e as embalagens de forma geral, tanto da população como das empresas, é a grande questão”, afirma.
O estudo da Fundação Ellen MacArthur também conta que anualmente são desperdiçados de US$ 80 a 120 bilhões em embalagens plásticas por não retornarem ao ciclo produtivo através da reciclagem. “Isso significa que esse é um mercado inexplorado e que pode criar diversas oportunidades. Estamos trocando geração de empregos e renda por leis que não nos levam à lugar algum”, observa o especialista.
Substituições nem sempre são eficientes
Além de lucrativo, Paquet explica que o processo de reciclagem do plástico exige menos energia, por exemplo, do que o do alumínio, material que hoje reciclamos à uma taxa de 98% no Brasil e nos torna referência internacional no assunto. “A cadeia do alumínio nos dá um ótimo exemplo do que pode ser feito em um mercado bem estruturado tributariamente e operacionalmente para isso. Porém, apesar do excelente exemplo, o país recicla apenas 3% das quase 80 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos geradas anualmente”, ressalta.
Devido à nova lei, Paquet informa que atualmente, estamos diante de um nó górdio: o poder público exige a substituição dos canudos por outros de papel ou biodegradável, mas as indústrias produtoras não têm dado conta da enorme demanda gerada repentinamente no mercado, e muitas empresas não têm tido alternativa senão buscar a importação do produto da China.
Além disso, o executiva complementa que à exemplo do que já está acontecendo no Rio de Janeiro, especialmente com os pequenos empreendedores, é ainda mais grave do que se continuassem disponibilizando os canudos de plástico – muitos os substituíram por copos plásticos, cujo impacto é significativamente maior, caso o copinho seja descartado incorretamente. “Para se ter uma ideia, estima-se que possuam, pelo menos, quatro vezes mais plástico que um canudo. Com isso, a lei pode ter um efeito contrário ao que parece ser pretendido, que seria a diminuição da poluição plástica, visto que mais copos plásticos estão sendo disponibilizados e não existe campanha com caráter de educação ambiental e conscientização da população para o descarte correto. Se nós, consumidores, não mudarmos nosso comportamento, os danos ambientais vão continuar. Pouco adianta usar canudo de papel ou outro material biodegradável se os jogamos fora misturado com outros resíduos impossibilitando sua reciclagem ou compostagem, por exemplo”, informa Paquet.
Cadeia engajada gera benefícios
Segundo ele, é necessária a participação de toda a sociedade no entendimento sobre a importância da separação de resíduos nas residências, sobre o que é a coleta seletiva e como contribuir com a logística reversa de embalagens em geral. “Se criarmos uma cadeia engajada para aproveitar o potencial comercial do plástico como acontece em relação ao alumínio, o material não mais será ‘o’ problema. Quando as empresas reconhecerem esse fato, o poder público deixar de bi tributar o plástico reciclado as pessoas entenderem que elas têm um papel fundamental nesse sistema, fazendo o plástico chegar para a coleta seletiva, estaremos seguindo o caminho certo”, comenta.
O comércio de plásticos gera corte de custos com destinação de resíduos, criação de empregos, nova fonte de receita para empresas recicladoras e cooperativas e um impacto ambiental positivo ao planeta. Tudo isso por meio da reinserção do resíduo na cadeia produtiva. Mas, na opinião de Renato Paquet é necessário que todos participem ativamente deste processo, que trará benefícios para as empresas, pessoas, meio ambiente e, consequentemente, ao poder público. “A falta de informação é um dos maiores gargalos para reciclagem do plástico, pois impede a boa separação e a destinação correta dos materiais. Já passou da hora de assumirmos a nossa responsabilidade enquanto consumidores, não dá mais para transferimos para o material um problema do comportamento social. Pensem nisso!”, pondera o especialista.
Na próxima semana vamos publicar uma entrevista com Edison Terra, coordenador da Comissão Setorial de Resinas Termoplásticas (Coplast) da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). Edison Terra vai dar um panorama sobre as ações do setor e algumas soluções para a questão ambiental do plástico.
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